VEJA
Edição Especial
6 de fevereiro de 2013
Capa: NUNCA MAIS
Que em memória dos 235 jovens mortos de Santa Maria façamos um Brasil novo, onde ninguém mais seja vítima do descaso, da negligência, da corrupção de valores e da impunidade
Carta
ao Leitor
Essa dor não passa
Os mortos de Santa Maria vão assombrar o Brasil por muitos anos.
Os mais de 230 jovens perderam a vida no momento em que seus sonhos começavam a
se materializar, abrindo-se para eles as largas avenidas de uma existência
plena. Em dez minutos tudo se acabou para eles. Morreram asfixiados pela fumaça
impregnada de gás cianeto, composto mortal que se desprende de certos materiais
sintéticos em chamas, como o que recobria o teto da casa de espetáculos em que
assistiram a seu último show.
Como
mostra essa Edição Especial de VEJA, as moças e os rapazes foram vítimas de uma
sucessão de erros, de desleixo,
negligência, de desapego às leis e às normas de segurança, subprodutos da corrupção de valores que se
impregnou no tecido social brasileiro e que está nos cobrando um preço alto
como nação. Se o teto era inflamável, a casa não poderia ter recebido no palco uma
banda que utiliza efeitos pirotécnicos –
o que era sabido de todos. Se a lotação máxima era de 600 pessoas, não se pode
aceitar que tenha entrado quase o dobro. Em lugares públicos em que se aglomeram
multidões, tem de haver extintores de incêndio e saídas de emergência. Nada
disso foi observado.
Se
além disso tudo não faltam exemplos recentes
de desastres de causas semelhantes, então
a morte dos jovens de Santa Maria não pode ser descrita como fatalidade, mas
como crime. Os parentes e amigos das vítimas clamando por “justiça” e portando
cartazes contra a “corrupção assassina” não têm dúvida disso.
Inúmeras tragédias brasileiras produziram promessas dos
governantes e manchetes indignadas na imprensa (inclusive de VEJA): “Basta!”, “Chega!”,
“Até quando?” E quais foram os resultados práticos da indignação? Nenhum. As chuvas continuam a matar na serra
fluminense; os barcos superlotados continuam a produzir sua safra de náufragos
no Rio Amazonas; os prédios continuam a desabar nas cidades porque os empreiteiros
usaram materiais inadequados mais baratos ou ignoraram exigências estruturais. Não se passa um ano sem que se tenha a
notícia da morte por negligência de uma criança em um parque de diversões; não
se passa uma semana sem o registro de uma ocorrência fatal no trânsito provocada
por um motorista embriagado. Quantos responsáveis por algumas dessas tragédias
estão cumprindo pena de prisão no Brasil? Nenhum. Em muitos países, é inconcebível que
uma única morte violenta ocorra sem que sejam levantadas as causas e identificados
e punidos os culpados. No Brasil, as lágrimas lavam a dor dos parentes dos
mortos e a justiça encerra sem consequências drásticas, penas exemplares ou
lições duradouras os processos abertos para apurar responsabilidades de morte
violentas múltiplas.
Que
os jovens mortos de Santa Maria tenham sido os derradeiros mártires feitos pela
irresponsabilidade criminosa no Brasil. Que a memória deles não se desfaça até
que a maldição da impunidade, da corrupção de valores e da licenciosidade deixe
de vitimar inocentes no Brasil. Só então os mortos de santa Maria deixarão de
nos assombrar.
Extraído
da revista VEJA, Edição Especial de 6 de fevereiro de 2013.
Humberto
Pinto Cel
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