Desonraram as coisas do povo...
No Brasil, a Corrupção está Desconstruindo a República
ISTO É INDEPENDENTE
I
Suprema reação
Ao romper a fronteira do foro
privilegiado, autorizando a prisão de um parlamentar no exercício do cargo,
ministros do STF dão passo importante para o fim da impunidade
Débora Bergamasco
A promessa do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) de
influir nas decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal para beneficiar
o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró chocou não apenas a sociedade, como
estarreceu os integrantes da mais alta corte jurídica do País. A reação dos
magistrados foi unânime, imediata e arrasadora. Pela primeira vez na história
do Brasil, o Supremo autorizou a prisão de um senador da República em pleno
exercício do cargo. Um congressista só pode ser detido quando seu caso já tiver
sido julgado e não couberem mais recursos. Entretanto, o episódio envolvendo
Delcídio enquadrou-se na excepcionalidade da lei, prevista quando o parlamentar
pode ir para trás das grades ao ser constatado flagrante delito por tentar
atrapalhar as investigações. Num País
acostumado à máxima de que poderosos não são punidos, a decisão do STF é um
alento a todos que propugnam pelo fim da impunidade. Significa que os políticos
que se sentiam amparados pelo foro especial e pela imunidade parlamentar –
tantas vezes chamada de impunidade parlamentar – agora experimentam o mesmo
rigor enfrentado pelos cidadãos comuns, desprovidos de regalias e privilégios.
Na quarta-feira 25, os ministros da segunda turma do Supremo
acompanharam a decisão do relator da Lava Jato, Teori Zavascki, e votaram
ratificando a prisão preventiva do líder do governo no Senado. Em sua decisão,
o ministro Celso de Mello cunhou uma frase com a qual todo cidadão brasileiro
sonha em um dia poder acreditar piamente. Disse ele: “Ninguém está acima da lei, nem mesmo os mais poderosos, os agentes
políticos governamentais. É preciso esmagar com todo o peso da lei esses
agentes criminosos”.
O ministro Antonio Dias Toffoli também foi contundente: “Infelizmente, estamos sujeitos a esse tipo
de situação de pessoas que vendem ilusões (...) O Supremo Tribunal Federal não
vai aceitar nenhum tipo de intrusão nas investigações que estão em curso, e foi
isso que ficou bem claro na tomada dessa decisão unânime”. E completou: “Criou-se uma lenda urbana de que o
Judiciário e esta Suprema Corte seria leniente com a impunidade, que não atuava
contra os agentes políticos e poderosos. Isso é uma lenda urbana, uma falácia”.
Ao fazer uso da palavra, o ministro Teori afirmou que os fatos
representam “grave ameaça à ordem
pública” ao serem constatados “esforços
desmedidos para garantia da própria impunidade”. Durante a sessão, ele leu
ainda em voz alta a manifestação escrita pelo Procurador-Geral da República,
Rodrigo Janot: “Seu silêncio (de Nestor
Cerveró) compraria o sustento de sua família, em vocação eloqüente às práticas
tipicamente mafiosas”. Já o voto da ministra Carmen Lúcia deve entrar para
a história como um dos mais brilhantes produzidos na corte. “Houve um momento em que a maioria dos
brasileiros acreditou que a esperança tinha vencido o medo. (No mensalão)
descobrimos que o cinismo tinha vencido a esperança. Parece que agora o
escárnio venceu o cinismo. Mas o crime não vencerá a Justiça. Criminosos não
passarão sobre o Supremo”, proferiu ela.
Mais do que enfática, a reação dos ministos do STF tem o poder de criar
uma jurisprudência que efetivamente coloque o Brasil no caminho do fim da
impunidade. E a decisão já tem produzido efeitos imediatos. Com base nela, na
semana passada, o procurador-geral da República já estudava recorrer ao STF
para pedir a prisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
O senador Delcídio foi flagrado em gravação realizada por Bernardo,
filho de Cerveró, “vendendo” facilidades em nome de magistrados. Durante a
conversa, demonstrou trabalhar para influenciar decisões de Teori, Toffoli,
Gilmar Mendes e Edson Fachin. Colocou, por exemplo, em situação aviltante o
mais novato dos ministros. Ao saber que um pedido de habeas corpus seria
apreciado por Fachin e, se deferido, teria potencial para anular várias outras
delações premiadas, o senador se vangloriou. “E (o habeas corpus) está com o
Fachin? Eu to precisando fazer uma visita pra ele lá, hein?”. E em seguida pede
para que seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, marque uma audiência com o
magistrado.
A decisão enérgica do STF demonstrou que a instituição não pretende se
curvar aos interesses dos poderosos nem às conveniências mesquinhas ou não de
vossas excelências. Que este espírito se mantenha na corte. A sociedade
agradece.
Humberto Pinto Cel
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