FIM
Governo
aposta em dividir sociedade entre 'nós e eles' para se manter no poder
Fernando
Henrique Cardoso
Especial para o UOL 10/03/2014 06h00
Rodrigo Capote/UOL
O artigo
abaixo, escrito com exclusividade pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
marca a estreia do canal de Opinião do UOL
"Estranhos momentos os que estamos
vivendo no Brasil. Há poucos dias os jornais publicaram a foto de um
encontro no Palácio da Alvorada. De mãos dadas, a presidente e seu
mentor posam vitoriosos, enquanto o presidente do PT e dois alegados
chefes publicitários da futura campanha reeleitoral, embevecidos e
sorridentes, antegozam futuros êxitos.
Por que tanta alegria?
Será que, estando no poder central,
eles não se dão conta do que vai pelas ruas, nem do que acontece no
mundo? Não estariam a repetir a velha história de Maria Antonieta na
Revolução Francesa? Não que eu esteja também a delirar. Bem sei que não há
qualquer revolução à vista.
Mas a esdrúxula foto faz recordar o
ânimo fútil da rainha, com os maiorais se deixando flagrar tão despreocupados,
enquanto as pessoas estão, na realidade, assustadas. Assustadas com as
sombrias perspectivas do futuro, temerosas da violência larvar de um povo
que era tido como pacífico (não há dia sem ônibus queimados, nem sem
pessoas amarradas apanhando dos que descreem da Justiça e querem fazê-la por
conta própria), espantadas com a montanha de lixo jogada nas ruas pelos
cariocas em um só dia de greve dos garis no Carnaval.
ALIENAÇÃO
Estando no poder central, eles não se dão conta do que vai pelas
ruas, nem do que acontece no mundo? Não estariam a repetir a velha história de
Maria Antonieta na Revolução Francesa?
Só com muita imprevidência foi
possível fazer-nos mergulhar na crise energética a que estamos
embrulhados. As medidas governamentais quebraram, ao mesmo tempo, o caixa
da Eletrobrás, destruíram as possibilidades do etanol, deixaram as hélices
das eólicas paradas à espera de linhas transmissoras e, ainda por cima,
reduziram quase à metade o valor das ações da Petrobras. Será que o
petróleo era nosso e o pré-sal, por pura teimosia propagandista e
incompetência, é deles?
Quanto desgoverno. E a perda
continuada do poder de compra dos assalariados, que a inflação de 6% ao
ano (na verdade bem mais) dilui, os truques de contabilidade criativa que
não enganam ninguém e a inépcia administrativa que transforma em
mera propaganda os projetos bombásticos?
CRISE
ENERGÉTICA
Medidas do governo quebraram o caixa da Eletrobrás, destruíram as
possibilidades do etanol, deixaram as hélices das eólicas paradas e reduziram
quase à metade o valor das ações da Petrobras
O que dizer da receita garantida
para o clientelismo e a inépcia assegurada por 30 partidos no Congresso
e 39 ministérios?
Seria injusto, porém, atribuir esses
males a uma só administração. Percebe-se um suceder de acontecimentos negativos
levando-nos, neste estranho e preocupante momento, à beira de perder uma
oportunidade histórica, a de consolidar uma democracia de verdade e
permitir nos livrar da síndrome do baixo crescimento, que limita o
bem-estar e impede o acesso ao primeiro mundo.
RENOVAÇÃO
É hora para uma mudança da guarda, na esperança de que novos
lideres tenham visão de estadistas, e não a de meros chefes de clã
A situação é tão grave que é
chegada a hora para o conjunto da "classe politica" assumir
parcelas de responsabilidade sobre os rumos do Brasil. Por isso é tão chocante
aquela foto de regozijo.
Os líderes governistas, em vez
de exporem à nação com realismo as mazelas existentes e de apelar, quem sabe, a
todos os brasileiros para se unirem nas questões fundamentais, só pensam
em dividir a sociedade entre "nós" e "eles" para, apostando
nesse pobre maniqueísmo político, vencer eleições e se manter no poder.
É hora, entretanto, para uma mudança
da guarda, na esperança de que novos líderes, colados na escuta das ruas,
tenham visão de estadistas, e não a de meros chefes de clã. É hora de
renovação, da força dos jovens aliada à visão de grandeza construírem a
política do amanhã."
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