Dos Delitos e das Penas
Cesare Beccaria –
1764
De algumas fontes gerais de erro e de injustiças na legislação
E, antes de tudo, das falsas idéias de utilidade.
As falsas idéias que os legisladores fizeram da utilidade são uma das fontes mais fecundas de erros e de injustiças.
É ter idéias falsas de utilidade ocupar-se mais com inconvenientes particulares do que com os gerais; desejar comprimir os sentimentos naturais em vez de procurar excitá-Ios; fazer silenciar a razão e dizer ao pensamento: "Sê escravo".
É ter ainda idéias falsas de utilidade sacrificar mil vantagens verdadeiras ao receio de uma desvantagem imaginária ou pouco importante.
Não teria certamente idéias justas aquele que pretendesse tirar aos homens o fogo e a água, pois esses dois elementos provocam incêndios e inundações, a quem só soubesse obstar o mal pela destruição.
Podem igualmente considerar-se como contrárias ao fim de utilidade as leis que proíbem o porte de armas, porque apenas desarmam o cidadão pacífico, enquanto que deixam a arma nas mãos do criminoso, muito habituado a violar as convenções mais sagradas para respeitar aquelas que são somente arbitrárias.
Além disso, tais convenções são de pouca importância; pouco perigo existe em infringi-las e, por outro lado, se as leis que desarmam fossem rigorosamente executadas, destruiriam a liberdade pessoal, tão necessária ao homem, tão respeitável aos olhos do legislador esclarecido; submeteriam a inocência a todas as investigações, a todos os vexames arbitrários que apenas devem ser reservados aos celerados.
Essas leis apenas servem para aumentar os assassínios, colocam o cidadão indefeso aos golpes do criminoso, que fere mais audaciosamente um homem sem armas; favorecem o bandido que ataca, em detrimento do homem honesto que é atacado.
Tais leis são apenas o ruído das impressões tumultuosas que acarretam alguns fatos particulares; não podem ser o efeito de combinações sábias que pesam numa só balança os males e os bens; não é para prevenir os crimes, mas pelo vil sentimento do medo, que se fazem essas leis.
É por uma falsa idéia de utilidade que se procura submeter uma infinidade de seres sensíveis à singularidade simétrica que pode receber matéria bruta e sem vida; que se deixam de considerar as razões presentes, únicas capazes de impressionar o espírito humano de modo forte e durável, para utilizar razões remotas, cuja impressão é fraca e passageira, a não ser que uma grande força de imaginação, que apenas se encontra num pequeno número de homens, supra o afastamento do objeto, conservando-o sob relações que o aumentam e o aproximam.
Finalmente, podem chamar-se ainda falsas idéias de utilidade aquelas que separam o bem geral dos interesses particulares, sacrificando as coisas às palavras.
(Cesare Beccaria *1738, +1794)
Em tempo:
Humberto Pinto Cel
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